segunda-feira, 26 de junho de 2017

Diablo III


Originalmente publicado em 9 de outubro de 2012

Ok, primeiro as coisas que vêm primeiro.

Apesar de todas as coisas horríveis que estou prestes a dizer, Diablo III provavelmente é um dos games mais divertidos que joguei em 2012. Fiquei viciado a ponto de gastar mais de 50 horas apenas levando uma Demon Hunter até o level 60 e chegando na dificuldade Inferno, além de arrumar um equipamento levemente decente pra ela. Então, se você estava com medo de que a Blizzard tinha perdido seu toque enquanto desenvolvedora de games, pode ficar tranquilo. Onde ela perdeu foi ao se tornar uma empresa de mercenários que só pensam em grana, porque isso é o que trouxe quase todos os problemas de Diablo III.

E não importa o quão divertido Diablo III seja, nada nunca vai justificar o requerimento de estar sempre conectado à Internet para jogar, inclusive se quiser jogar sozinho. No que diz respeito à própria funcionalidade do jogo, os fanboys da Blizzard tem razão, todo mundo que conhece e gosta dos games da Blizzard tem uma conexão de Internet decente e pode jogar. Mas o problema é que conexões são coisas que estão fora do controle do jogador. Experiências próprias: tem dias que a Internet tá horrível, causando latência enorme e tornando a jogabilidade praticamente impossível. Provedores de Internet entram em manutenção, impedindo qualquer sessão de jogo. Os próprios servidores da Blizzard entram em manutenção de tempos em tempos, obrigando o jogador a esperar o término da manutenção para poder jogar. Jogar o game pelo qual paguei 90 reais.

Não é possível ver nenhuma vantagem nisso. Sou o tipo de pessoa que não gosta de outras pessoas se intrometendo na minha sessão de jogo (e como crítico, sei que não sou apenas eu), e as únicas vantagens que a conectividade total oferecem dizem respeito à facilidade de conexão para jogo cooperativo. Sim, eu troquei itens com amigos. Sim, eu pude trocar ideia com eles pelo chat enquanto jogava. Mas isso tudo vale mesmo a total interrupção de jogabilidade caso a minha Internet resolva cair?


Dito isso, vamos à segunda grande falha de design da Blizzard: a Casa de Leilões, ou Auction House (para quem joga em inglês como eu). Uma interface onde usuários podem vender e comprar itens do jogo, por gold ou por dinheiro real. E se você compra itens de jogo por dinheiro real, me desculpe, mas você é o tipo de jogador do qual eu gostaria de me desassociar, aquele que bate na mãe porque ela escondeu o Xbox. Mas fora isso, comprar por gold é perfeitamente válido, e pode te dar itens bem legais por quantias relativamente pequenas.

O grande problema nisso é que boa parte do apelo de um dungeon crawler vem de ficar na expectativa do que o próximo monstrão do inferno vai dropar no seu pé. “Será que vou poder trocar meu equipamento e ficar mais poderoso depois que eu matar mais um elite? Acho que vou jogar mais um pouco só pra ver...” E lá se passaram mais 3 horas da sua vida. A Auction House basicamente nulifica esse aspecto. Quer itens bons? Põe lá na busca exatamente os modificadores que você quer e ele acha os melhores itens pra você, por preços até que bem acessíveis se você vende bastante item no jogo. Equipei toda a minha Demon Hunter que está nesse momento no Ato 1 do Inferno gastando menos de 100.000 em ouro. Itens decentes só vão dropar no Inferno, e isso requer bastante tempo de jogo. Então pra que a expectativa de um bom drop, ou mesmo colocar Magic Find nos meus personagens? Coloco Gold Find e vou lá gastar toda minha grana na AH que é mais negócio.


Tá... agora que gastei meus dedos digitando sobre a parte ruim, vamos falar do game propriamente dito. Diablo III basicamente segue o mesmo esquema do Diablo II, inclusive com a mesma estrutura de quatro atos pré-expansão e cinco classes jogáveis. Ainda é possível jogar em modo Hardcore, onde uma morte faz você perder seu personagem para sempre, e você ainda clica em monstros até eles morrerem. A diferença é que Diablo III é muito mais simplificado, tanto para melhor quanto para BEM pior.

As classes são, surpreendentemente, tão legais quanto as do segundo game, pelo simples fato de que cada uma delas é bem diferente da outra. Você tem o Witch Doctor pra quando quer ser passivo-agressivo e não se envolver diretamente na matança, o Demon Hunter (minha principal) e o Wizard para quem quer ser um canhão de vidro, e o Barbarian e o Monk para quem quer dar uns tapas na cara do diabão e sair dando risada. Cada um tem um tipo diferente de “mana”. O bárbaro, por exemplo, tem uma barra de “fúria”, que vai se enchendo conforme você usa certos ataques, e então você pode gastá-la em outros ataques mais potentes. A Demon Hunter já tem duas barras diferentes, “ódio” para os ataques normais e “disciplina” para as habilidades defensivas, armadilhas e tudo mais. Cada um desses contribui para um estilo de jogo diferente, mais agressivo ou mais defensivo, ajudando no valor de replay.


O sistema de level é que é um pouco decepcionante. Você não pode mais distribuir pontos de skills e stats como antes. Stats como Força, Vitalidade e Destreza são distribuídos automaticamente dependendo da sua classe, e as skills são todas destrancadas por level de personagem e não escalam em dano, tampouco dão bônus para outras skills. Essas skills podem ser associadas aos dois botões do mouse e mais quatro hotkeys (que podem ser customizadas, mas também é uma decepção, já que o Diablo II me deixava encher o teclado inteiro com skills). Um detalhe importante que pode passar despercebido: por padrão, as hotkeys e os botões estão associados a conjuntos particulares de skills, mas entrando nas opções do jogo você pode habilitar o “Elective Mode”, que permite que você troque as skills para qualquer hotkey que quiser. Não dá pra entender porque ele já não está ligado por padrão.

Essa simplificação tem uma vantagem e uma desvantagem. A vantagem é que você pode experimentar todas as skills e identificar quais fazem parte do seu estilo de jogo favorito, ou quais vão te ajudar mais em momentos de dificuldade, e a única penalidade sobre a troca de skills é um curto cooldown. A desvantagem é que remove aquela sensação de planejamento sobre seu personagem, de ter controle e poder falhar. No Diablo II, por exemplo, se você fosse rico o suficiente, com equipamento poderia transferir skills de classes diferentes e fazer um bárbaro que se teleportava. Não é mais possível em D3.

E é só uma das milhares de coisas que não existem mais em D3. Inimigos não podem mais te congelar com ataques. Veneno não causa mais dano por tempo. Monstros não podem mais ser imunes a um determinado elemento nas dificuldades mais altas. Itens não tem mais requerimento de stat. Isso tudo reduz a necessidade de pensar em modificadores diferentes nos itens, você só precisa pensar em acumular o quanto for possível do seu atributo primário e alguma coisa do lado defensivo pra não morrer com uma porrada só. Novamente, vantagens e desvantagens: permite que o jogador fique mais focado na ação e torna o jogo mais rápido, porém, remove parte do desafio.


O desafio das dificuldades maiores vem nos monstros elite. Esses monstros sempre possuem algum atributo randômico. Exemplos: “Molten” faz ele soltar um rastro de fogo por onde anda e explodir quando morto. “Extra Health”, “Teleporter” e “Fast” são autoexplicativos. “Shielding” faz ele temporariamente poder criar escudos que o tornam invulnerável a qualquer dano. E por aí vai. No Normal, eles só podem ter um modificador, mas no Inferno podem juntar até quatro modificadores, e é aí que começam a aparecer os monstros que podem te matar só de encostar em você.

Talvez a minha maior satisfação venha da história. Não que seja muito boa, ou muito profunda (matar demônios do inferno é tipo, do que videogames são feitos) mas me surpreendeu ao trazer coisas do primeiro game e amarrá-las de maneira legal à cronologia da série. Convenhamos: Diablo II era tão tonto que eu já tinha zerado ele umas 10 vezes antes de parar pra pensar em assistir uma cutscene. Não é o caso em D3. Eu acompanhei a história e seus atos de perto, me surpreendi com a reviravolta, senti o ato final épico chegando. Ela tem um ritmo envolvente, indo desde a carta de amor aos fãs do Diablo 1 no primeiro ato, passando pelo ato mais popular do D2 (Ato 2, no deserto), para um ato totalmente coberto em batalha ininterrupta, mais parecido com o ato da expansão Lord of Destruction, e finalmente chegando em algo totalmente novo com a invasão demoníaca dos High Heavens. É besta, e atuado de maneira canastra, mas é envolvente.


É também um game muito bonito de se ver. Apesar dos baixos requerimentos de sistema, e dos aspectos técnicos um pouco mais simplórios do que da maioria dos games de hoje em dia, Diablo III mostra sua força nos detalhes. Animações de inimigos sendo mortos de maneiras diferentes por cada ataque, se espatifando em pedaços e espalhando sangue no chão. O som também ajuda a manter o jogo envolvente, dá pra sentir a força de cada flecha atirada, cada barril explodindo, os ossos de cada esqueletinho voando. Uma engine física primorosa também mantém o ar de verossimilhança das interações entre monstros e ataques. Chefes de ato são gigantescos e épicos, cobrindo toda a tela com seus ataques e fazendo seu subwoofer vibrar com suas vozes.

O que me quebra é a merda do single player online. Eu não gostei de morrer por causa de lag ou do servidor me desconectar. Eu perdi a vontade de jogar no modo Hardcore porque a possibilidade de perder horas de um personagem por que a Internet resolveu desconectar é bem real. E Diablo III vale a pena sim, mas se não fosse por isso, e por todo o balanço de drops e itens ser voltado à compra pela Auction House, valeria muito mais. Blizz, recado sincero: Diablo II AINDA é jogado, 12 anos depois, online. Pessoas ainda o compram. E não foi por que foram obrigadas por sistemas de proteção intrusivos, e sim por que o jogo é bom. Pensem nisso da próxima vez.

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