segunda-feira, 26 de junho de 2017

Dishonored

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Originalmente publicado em 25 de janeiro de 2013

Se eu pudesse escolher ter um poder só, eu escolheria ser invisível. Não sei dizer se essa é uma escolha comum. As pessoas geralmente querem voar, ou ter super força, ou ter o fator de cura do Wolverine. Mas eu gostaria de ser invisível, ou no máximo ter aquele poder da Mística, de transmutação, e poder me disfarçar com o rosto de quem eu quisesse. E digo o porquê: eu gosto da ideia de não ser percebido, especialmente nos games.

Evitar ser percebido quase sempre é mais divertido do que sair atirando com uma metralhadora até toda matéria orgânica na sala se fundir com a parede. Penso isso por que o subterfúgio requer maior paciência, maior concentração e maior raciocínio lógico. Requer muito mais habilidade do que atirar em tudo que se mexe. Se um game me permite que eu tome um caminho que evita confronto direto, eu geralmente vou por esse lado. Posso dar como exemplo o grande Deus Ex, que permitia que você terminasse o jogo da maneira que quisesse, Rambo ou ninja.

Nesse momento, geralmente vêm à mente das pessoas a seguinte pergunta: “Então você gosta de Metal Gear?”. A resposta é não. Nem Metal Gear nem Splinter Cell. Isso é porque, em ambas as franquias, o mundo parece existir ao redor dos protagonistas. São jogos de sequências lineares onde guardas que sabem que Solid Snake/Sam Fisher estão chegando. Se sou descoberto, eu posso me esconder por um tempo e eventualmente eles vão esquecer que viram um intruso e voltar às suas rotas de patrulha. Por isso, sou fã de games como Thief e Hitman, que me dão um objetivo e me lançam em missões abertas, onde posso escolher meus caminhos. Nesses casos, o mundo mais aberto passa a sensação de que ele existe apesar de seu protagonista, os guardas não sabem o que vai acontecer, eles estão ali patrulhando, trocando ideia, sem saber de minha existência, e logo o lugar vai ter alguns habitantes a menos e será menos rico. E se tudo der certo, ninguém nem vai notar até que eu esteja bem longe.

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Dishonored é um desses games. É um game que orgulhosamente estampa todas as influências que carrega na sua bagagem, como uma jaqueta cheia de bótons. O design visual é reminiscente de Half-Life 2. A cidade de Dunwall tem um look antigo, como velhas cidades europeias, e igualmente steampunk, com seus inventores malucos e invenções mais malucas ainda. Os Tallboys, que são soldados que controlam grandes armações robóticas, lembram muito os Striders de Half-Life 2. Não é pra menos, já que o designer chefe que construiu City 17 trabalha em Dishonored.

Mas as principais influências são Deus Ex e Thief. De Thief vem o lado steampunk da coisa, a mistura de magia e tecnologia, o período que parece o da Revolução Industrial mas é mais fantasioso. E Deus Ex providencia aquela escolha: você vai usar seus poderes para matar todos os guardas e enfiar a faca na garganta dos seus alvos, ou você vai ser o mais discreto possível e tentar alcançar seu objetivo sem mortes desnecessárias?

Infelizmente, a história é bem manjada, padrão de história de vingança. Uma praga que aparentemente vem dos ratos está atingindo a cidade de Dunwall. Você é Corvo Attano, o guarda-costas oficial da imperatriz de Dunwall, que foi enviado para outras cidades em busca de uma cura para a tal praga, e retorna sem sucesso. Infelizmente, logo ao chegar da longa viagem, assassinos atacam a imperatriz e a matam. Os assassinos desaparecem, e o protagonismo silencioso de Corvo o impede de dizer “não, não fui eu quem matou a imperatriz”, o levando preso e torturado nas masmorras de Dunwall por seis meses. Claro que os assassinos e a praga fazem parte de uma conspiração criada pelo “espião real”, Hiram Burrows, pra tomar o trono como regente. Lógico que rapidamente você escapa da prisão, com ajuda de um grupo de rebeldes que sabem sobre a conspiração, e você também recebe poderes mágicos de uma força sobrenatural que se chama de “Outsider”. A partir daí, fica a seu critério se derrubará o regente na base da ponta da faca ou na base da infiltração.

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O jogo leva essa escolha entre matar ou não matar bem a sério. À partir da metade do game, as missões passam a mudar conforme o nível de caos que você causa durante o jogo. Mais mortes causa mais caos, o que aumenta o número de guardas, de infectados pela praga e de ratos comedores de gente que andam pelas ruas e becos de Dunwall. A última missão mesmo tem mudanças drásticas em sua estrutura. Só para dar um exemplo, caso você tenha causado o terror durante o game, cairá uma tempestade durante a última missão, mas tudo estará ensolarado caso você tenha mantido o caos num nível baixo.

Mas Dishonored é meio truncado. Por exemplo, eu só sei que se passam seis meses na prisão porquê uma tela de loading me diz isso. Não há uma sensação de passagem do tempo durante o game, simplesmente aparece escrito “você passou seis meses preso” e mais nada. E os personagens... dizer o que sobre eles? Eles ficam parados no mesmo lugar, te dizendo quem é o seu próximo alvo com vozes monótonas, e nenhum deles é memorável. Parecem robôs, dispensórios de missões, que não conseguem passar nenhuma motivação.

Felizmente, estamos falando de um game aqui, e um game é sempre tão bom quanto sua jogabilidade. Dishonored entrega isso em grandes baldes. Cada uma das missões geralmente tem um ou mais alvos. Você é jogado dentro da cidade, em algum mapa bem aberto que recompensa a exploração, já que pequenas missões opcionais estão por toda parte. Você também dispõe de um pequeno arsenal de poderes mágicos e geringonças de matança que pode utilizar para causar a dor nos guardas. Você compra poderes extras e faz upgrade nos existentes caçando runas escondidas pelas fases, e também pode abrir pequenas habilidades extras com pequenos itens chamados Bone Charms, como respirar mais embaixo da água, ou estrangular inimigos mais rápido.

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O principal poder que o Outsider te dá é um teletransporte, chamado de Blink. Blink é uma benção. Com Blink, você pode rapidamente acessar os telhados mais altos dos prédios, pode rapidamente sair do campo de visão dos guardas, e pode aparecer nas costas de alguém pra rapidamente cortar a jugular do caboclo. Note que todas as possibilidades possuem a palavra “rapidamente” associada. Isso faz Dishonored conseguir se encaixar nas sensibilidades mais mainstream, ou seja, ser um pouco mais frenético e ter mais ação do que um jogo de stealth comum, mas sem tornar o jogo fácil demais ou deixar de requerer raciocínio e estratégia.

Com um pouquinho de criatividade, você pode combinar os outros poderes de maneiras muito legais. Você pode, por exemplo, chamar a atenção de um guarda. Se ele tentar usar o revólver contra você, ele irá apontar por um tempo antes de atirar. Nesse momento, você pode parar o fluxo do tempo, possuir um outro guarda, entrar na frente do guarda com a arma, e despossuí-lo, e então assistir um guarda atirar no outro. Você pode colocar uma armadilha num rato, possuir esse rato, andar até um grupo de guardas e ver a linda explosão de sangue. Você pode usar ferramentas para fazer os pilares de Tesla dos inimigos atirarem contra eles ao invés de machucarem você. Você pode conjurar um enxame de ratos para que eles comam seus inimigos vivos. Falando nos ratos, eles também aparecem em alguns lugares do jogo pra te atrapalhar... ou te ajudar. Corpos indesejáveis podem ser jogados aos ratos para que os ratos comam até os ossos e nenhum guarda possa encontrá-los, por exemplo. Atrair os guardas até enxames de ratos também costuma ser eficiente.

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Se há alguma reclamação a fazer dos sistemas de Dishonored, é quanto à escolha moral. Como dito anteriormente, o nível de morte que você causa afeta diretamente o final do game, e o layout de algumas das missões mais à frente do jogo. Mas a maioria esmagadora dos poderes e dos apetrechos existem para matar guardas. Na minha partida “low chaos”, eu usei exclusivamente Blink e Bend Time, e os dardos de tranquilizante da besta. Existem outros cinco poderes e mais dois tipos de munição de besta mais os outros apetrechos que só são usados quando você quer eliminar a oposição. Então você começa a acumular runas para as quais você não tem uso, nesse caso.

Também não posso deixar de notar uma boa quantidade de bugs. Já vi Tallboys me detectarem através da parede. Já caí por dentro da geometria de uma das fases e lá fiquei até morrer afogado. Já aconteceu de um corpo que escondi perfeitamente num determinado lugar de uma missão em uma das vezes que a completei ser detectado através da parede numa outra partida e fui forçado a ser mais cauteloso durante o restante da missão. Às vezes algum alvo (principalmente se você estiver jogando pelo final “High Chaos”) pode simplesmente instantaneamente detectar você assim que você entra na sala só para iniciar um diálogo inescapável. Nada que afete a qualidade do game num todo, mas é que os defeitos ficam mais aparentes.

Dishonored mostra que stealth não é apenas o nicho dos que tem paciência. Um simples poder de teletransporte e vida nova é alcançada no gênero. Oferecer liberdade aos jogadores é a melhor estratégia, ouviu, Medal of Honor?

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