segunda-feira, 26 de junho de 2017

The Walking Dead

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Originalmente publicado em 3 de dezembro de 2012

Eu sei que é estranho pra maioria de vocês, e pode ser uma coisa muito “hipster” de se dizer, mas alguns de nós já conhecíamos filmes de zumbi antes de toda essa onda. Um dos mais famosos (e provavelmente o melhor) é o velho “Dawn of the Dead”, de 1978, dirigido por George Romero, o cara que praticamente inventou a noção moderna de zumbi. Naquela época não era só nojeira e ação: o mais importante era a crítica à sociedade que Romero mostrava, fazendo o filme se passar num shopping e exibindo os zumbis exatamente como a maioria de nós, consumidores que andam em volta de lojas sem o menor pensamento crítico sobre o que consomem.

Lá pro final deste filme, uma gangue de motoqueiros invade o shopping onde os sobreviventes se esconderam, saqueando o local e cortando cabeças de zumbis por diversão. Em nenhum lugar é mais aparente que nós nos tornaríamos esses caras do que nos games. É só olhar para a montanha de games com “Dead” no nome ou que tenham zumbis neles. Temos Dead Rising e Dead Island, onde o maior trunfo de jogabilidade é a criação de armas excêntricas para matar mais zumbis. Temos jogos estilo Carmageddon, que substituem os pedestres por zumbis, e aí tudo bem. Podemos ir em uma loja e comprar bonequinhos de zumbis que podem ser desmontados em múltiplos pedaços (e eu sei, porque vendo deles).

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E é exatamente por isso que, mesmo que a franquia Walking Dead esteja neste momento no seu auge, e você não consegue passar um dia no Facebook sem ver um spoiler do maldito seriado, o game é um alívio. Produzido pela Telltale Games, famosa por ter muitas pessoas que faziam parte dos estúdios da LucasArts, que um dia foi responsável pela maioria dos jogos estilo “adventure” na década de 90, incluindo os lendários The Secret of Monkey Island e  Grim Fandango, o game de The Walking Dead não foi feito pra você matar zumbis. Sim, você não vai passar o jogo inteiro sem arrebentar a cabeça de um, mas aqui o foco é a relação entre pessoas quando em situações extremas, assim como no quadrinho.

Então, The Walking Dead é um adventure. Você anda por telas diferentes, verificando onde na tela que você pode clicar para interagir, procurando pelo item que vai te ajudar a avançar a história. Eventualmente, você vai precisar bater furiosamente na tecla Q para empurrar um zumbi pra longe, ou resolver alguma outra sequência de ação. E na maior parte do seu tempo, você irá dialogar e se relacionar com seus companheiros sobreviventes. E sabe como é o relacionamento entre pessoas num apocalipse zumbi, é como a relação de seis velociraptors tentando dormir numa tenda com apenas um saco de dormir.

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A jogabilidade é basicamente essa, simples de tudo. Mas onde a Telltale acerta aqui é na caracterização dos personagens e nas situações que o jogo te força a resolver e fazer escolhas. Você controla Lee Everett, um prisioneiro que está sendo transportado pela polícia até o presídio de Atlanta. Você não sabe o que ele fez, se ele fez mesmo alguma coisa, ou quem ele é, e o jogo faz um serviço admirável para tentar fazer você aplicar o tipo de personalidade que Lee tem, pouco a pouco mostrando o que ele fez para estar naquele carro de polícia.

Mas claro, logo esse carro de polícia atropela um zumbi na estrada, o motorista perde o controle, bate, morre e logo levanta. Então Lee corre em direção de ajuda, e encontra uma pequena garotinha dentro de uma casa abandonada. Clementine é o outro grande acerto de The Walking Dead, pois crianças geralmente são um esquema fácil de roteiro para causar investimento emocional, mas ela é usada de maneira muito eficaz aqui. Ela não dá nos nervos, ela não é apenas um empecilho para o resto dos sobreviventes. Ela é esperta, e até o fim do jogo você irá ajuda-la a se tornar uma verdadeira sobrevivente durona.

Conforme você visita novos lugares, encontra mais sobreviventes, e até mesmo alguns personagens que aparecem nos quadrinhos. Você visita a fazenda de Hershel logo no começo, e encontra Glenn preso numa farmácia em Macon logo depois. Estes já desaparecem depois do segundo episódio, e o jogo foca mais nos seus próprios sobreviventes e na relação entre eles. Mesmo que seja apenas uma ilusão de escolha, as escolhas que você faz durante os seus diálogos podem fazer uma diferença muito forte, mas não uma que vá alterar muito o final, pois os personagens que precisam morrer irão morrer conforme a necessidade da história.

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O formato episódico ajuda muito em manter a ilusão dessas escolhas. Como cada episódio é curto e focado, levando mais ou menos de 2 a 4 horas para completar, não só os elementos mais prosaicos do estilo “adventure” são amenizados, como as escolhas que você fazem parecem carregar mais impacto do que elas realmente carregam. Como um exemplo (e infelizmente já dando um  leve spoiler, pois é meio que impossível falar das escolhas sem nenhum), no primeiro episódio você já precisa escolher entre dois personagens para salvar. Mas fique tranquilo, pois eventualmente o que você salvou também vai morrer, e isso está um pouco fora do seu controle.

A Telltale também mostra que tem roteiristas de qualidade no seu elenco, pois eles conseguem evocar exatamente a mesma sensação que os quadrinhos conseguem. Você provavelmente vai mudar de opinião e de atitude para com certos personagens múltiplas vezes durante os episódios, pois em certos momentos você vai odiar alguém, e no próximo você vai ficar do lado dele, e depois vai odiar de novo. Vai estar pronto pra meter uma bala na cabeça de alguém, e depois pronto pra se sacrificar para salvá-lo. Essa dinâmica criada pela equipe da Telltale mantém o jogo interessante até o seu final, que é capaz de levar até mesmo o jogador mais durão às lágrimas. E não pense que vai rir aqui: The Walking Dead não tem absolutamente nada de engraçado. É uma situação tensa do início até o fim.
A única fonte de certa decepção que posso realmente pensar é que alguns clichês são usados, principalmente tirados dos quadrinhos. Se você já leu os quadrinhos, vai reconhecer muitas das situações usadas no game, como por exemplo se cobrir de tripas de zumbi pra ficar fedendo e não ser reconhecido. Essa já foi até usada no seriado, gente, vamos pensar em coisas diferentes.
Mas no geral, The Walking Dead é algo de diferente no mercado, e é muito bom naquilo que faz. Como já estamos em dezembro, já posso me preparar para incluí-lo na minha lista de “melhores jogos de 2012”. Parabéns, Telltale.

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